quarta-feira, 4 de maio de 2011

UM FUNGO AMEAÇA OS ANFÍBIOS

A preocupação com o declínio das populações de anfíbios em diversas partes do planeta emergiu nos meios científicos nos anos 1970 e 1980.Na época,as principais causas apontadas para os problemas desse grupo de animais eram a degradação e a perda de hábitats,o aquecimento global,o aumento da radiação ultravioleta do tipo B e a poluição ambiental.Atualmente,os anfíbios estão mais ameaçados que as aves ou os mamíferos.Das mais de 7 mil espécies conhecidas no mundo,cerca da metade está ameaçada e mais de 100 podem estar,neste momento,extintas.A emergência de doenças infecciosas possivelmente relacionadas a episódios de grandes mortalidades de anfíbios em determinadas áreas do planeta chamou,nos últimos anos,a atenção de pesquisadores.Em particular,o interesse científico foi atraído,a partir da década de 1990,pela quitridiomicose, uma infecção da pele dos anfíbios,transmissível por água e causada pelo fungo Batrachohytrium dendrobatidis.Trata-se do primeiro fungo do grupo dos quitridiomcetos reconhecido como parasito de vertebrados e originalmente descrito como um novo gênero.As primeiras descrições da infecção por B.dendrobatidis foram feitas a partir de observações de intensas mortalidades de anfíbios,tanto na Austrália,pela ecológa Lee Berger(universidade James Cook),quanto na América Central,pela bióloga Karen Lips(Universidade de Maryland,Estados Unidos),hoje,a doença é registrada em todos os continentes,exceto na Antártida,e vem sendo associada a perdas impressionantes na riqueza e na abundância de espécies de anfíbios,principalmente na região tropical das Américas do Sul e Central e na Austrália,em razão do grande número de espécies e indivíduos presentes nessas áreas e da ausência de invernos prolongados que limitam as atividades dos anfíbios.Em geral,os episódios de diminuição populacional e de desaparecimento de anfíbios relacionados a essa doença são mais severos em comunidades que vivem entre moderadas e elevadas altitudes.A doença afeta essencialmente indivíduos que já passaram pela metamorfose,ou seja,jovens e adultos.Além disso,mostra pouca especificidade;até agora,já foi diagnosticada em mais de 37 famílias(ou seja,em cerca de 80% do total de famílias conhecidas de sapos,rãs,pererecas,cecilídeos,tritões e salamandras)e mais de 400espécies(cerca de 6% do total de espécies conhecidas).O fungo parasita apenas a pele dos anfíbios,limitando-se à superfície(camadas córneas e granulosas da epiderme),principalmente no abdômen e nos membros posteriores,pés e dedos.As lesões produzidas não são visíveis a olho nu e a doença praticamente não apresenta sintomas-têm sido observadas apenas certas mudanças comportamentais.Algumas espécies parecem ser mais suscetíveis à doença,ou mais vulneráveis,em razão de características como baixa fecundidade,baixa dispersão geográfica,alta especialização de hábitat e reprodução e vida na água.Com base no estudo dessas características,será possivel traçar um perfil epidemiológico,o que permitirá prever a vulnerabilidade à quitridiomicose de diferentes espécies e influencirá a adoção de medidas de combate ou prevenção dessa infecção.
O brasil abriga a maior diversidade de anfíbios do planeta,segundo a União Internacional para a Conservação da Natureza(IUCN,na sigla em inglês).Mais de 12 % das espécies conhecidas(em torno de 850 espécies)ocorre no território nacional.A maioria delas pertence ao grupo dos anuros,que abrange sapos,rãs e pererecas.Uma pequena quantidade(pouco mais de 25 espécies)é de cecilídeos,grupo que inclui cobras-cegas e cecílias,anfíbios sem patas,de vida subterrâneas,semelhantes a serpentes ou minhocas.No país,é registrada ainda uma espécie de salamandra.Na lista vermelha da IUCN,documento que indica o status de conservação e o risco de extinção dos seres vivos existentes em todo mundo,nove espécies de anfíbios,brasileiros estão classificados como em perigo crítico,seis como em perigo e 15 como vulneráveis.
Uma espécie,a perereca-de-santo-andré(Phrynomedusa fimbriata),é considerada extinta desde a década de 1920.Embora a maioria das espécies brasileiras de anfíbios não esteja visivelmente ameaçada,não existem informações adequadas e suficientes sobre as populações de mais de300 delas.Registros de declínios de populações de anfíbios no Brasil,por diversas causas e em distintos biomas,existem desde a década de 1980,sobretudo no caso da mata atlântica.A queda continuada do número de indivíduos de uma espécie pode implicar em sua extinção.As populações de anfíbios consideradas em declínio habitam principalmente áreas aparentemente bem preservadas,de altitude e se reproduzem na água.Além disso,já estão demonstradas no país a presença e a ampla distribuição do fungo B. dendrobatidis e da quitridiomicose,sobretudo em áreas da mata atlântica.A partir dessas constatações,podemos deduzir que as espécies brasileiras susceptíveis e vulneráveis à quitridiomicose são as que apresentam essas mesmas características.Infelizmente pouco se sabe sobre a epidemiologia dessa doença.Há muitas informações sobre a microbiologia do fungo que é a causa e sobre alguns de seus hospedeiros,mas ainda são incipientes os estudos sobre as possíveis inter-relações e interações epidemiológicas de ambos com o ambiente.
São desconhecidas,também as taxas de mortalidade da doença.Em geral,as pesquisas costumam confundir taxa de letalidade(que indica a capacidade de uma doença levar à morte os que a contraem)e taxa de mortalidade(que mede a proporção de mortes causadas por uma doença em relação à população total ou em relação a grupos específicos da população).Estes são indicadores distintos,com interpretações e implicações epidemiológicas distintas.Essa confusão,somada à ausência sistemática de indicadores de morbidade(que mede a proporção de casos de uma doença em uma população),pode significar uma interpretação incorreta dos indicadores e,em consequência,prejudicar a avaliaçâo de dois parâmetros fundamentais em epidemiologia;o risco de adoecer e morrer e a predição de episódios futuros.
Nesse sentido-e em razão da grande riqueza e abundância de espécies de anfíbios no país,distribuìdos em
variados biomas e ecossistemas-,é necessário direcionar as pesquisas à epidemiologia da quitridiomicose.
Nas áreas em que ocorreu uma acentuada diminuição populacional,mas não a extinção local de espécies,é
possível pesquisar as taxas de mortalidade e a dinâmica da doença nas comunidades remanescentes.Já naquelas áreas onde é observado um declínio populacional ainda pequeno,é possível pesquisar as relações interativas entre o agente causador da doença,o hospedeiro e o ambiente.Esses estudos certamente ajudariam a entender a epidemiologia da quitridiomicose e a identificar estratégias que permitam,por meio de intervenções sanitárias,conter a infecção nos ecossistemas onde esta é endêmica ou epidêmica e,principalmente,evitar seu avanço sobre ecossistemas ainda não atingidos.

Matéria retirada da revista  ciênciahoje vol. 47 pg: 279
Março 2011

Pedro Light Pereira
Escola de Veterinária
Universidade Federal de Minas Gerais

Eloy Bécares
Faculdade de Ciências Biológicas y Ambientais,Universidad de León(Espanha)

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